Sabendo tecer, não desperdices fio. Sabendo falar, não desperdices as palavras.(Laos)

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sábado, 10 de dezembro de 2011

Poucas Cinzas

Hoje assisti o filme que narra a história do pintor Salvador Dalí e do poeta Federico Garcia Lorca.
Adoro ambos e suas artes.Mas o filme foi muito bem conduzido e cuidado,para que não beirasse a banalização dos sentimentos.Quem gosta de arte irá amar!!!
No  filme Javier Beltrán (Lorca) e Robert Pattinson(Dalí) ,estão fantásticos.


ODE A SALVADOR DALÍ

Frederico Garcia Lorca



Uma rosa no alto do jardim que tu desejas.

Uma roda na pura sintaxe do aço.

Desnuda a montanha de névoa impressionista.

Os grises observando suas balaustras ultimas.



Os pintores modernos, em seus brandos estúdios,

cortam a flor asséptica da raiz quadrada.

Nas águas do Sena um iceberg de mármore

esfria as janelas e dissipa as eras.



O homem pisa forte nas ruas lajeadas.

Os cristais se esquivam da magia e do reflexo.

O governo fechou as lojas de perfume.

A máquina eterniza seus compassos binários.



Uma ausência de bosques, biombos e sobrecenhos

erra pelos telhados das casas antigas.

O ar pule seu prisma sobre o mar

e o horizonte sobe como um grande aqueduto.



Marinheiros que ignoram o vinho e a penumbra

decapitam sereias nos mares de chumbo.

A Noite, negra estátua da prudência, tem

o espelho redondo da lua em sua mão.



Um desejo de formas e limite arrebatada.

Vem o homem que olha com o metro amarelo.

Vênus é uma branca natureza morta

e os colecionadores de mariposas fogem.



***



Cadaqués, no fiel da água e da colina,

eleva escalinatas e oculta caracóis.

As flautas de madeira pacificam o ar.

Um velho Deus silvestre dá frutas aos meninos.



Seus pescadores dormem, sem sonho, na areia.

Em alto-mar lhes serve de bússola uma rosa.

O horizonte virgem de lencinhos feridos

junta os grandes vidros do peixe e da lua.



Uma dura coroa de brancos bergantins

cinge frontes amargas e cabelos de areia.

As sereias convencem, mas não sugestionam,

e saem mostrando um copo de água doce.



***



Alma higiênica, vives sobre marmores novos.

Foges à escura selva de formas incríveis.

Tua fantasia chega onde chegam tuas mãos,

e gozas o soneto do mar em tua janela.



O mundo tem surdas penumbras e desordem,

nos primeiros términos que o humano frequenta

Porém já as estrelas ocultando paisagens

assinalam o esquema perfeito de suas órbitas.



A corrente do tempo se remansa e se ordena

nas formas numéricas de um século e outro século.

E a Morte vencida se refugia tremendo

no circúloestreito do minuto presente.



Ao pegar tua palheta, com um tiro em uma asa,

pedes a luz que anima a copa da oliveira.

Larga luz de Minerva, construtora de andaimes,

onde não cabe o sonho nem sua flora inexata.



Pedes a luz antiga que fique na frente,

sem baixar a boca nem o coração do homem.

Lua que temem as vides estranháveis de Baco

e a força sem ordem que leva a água curva.



Fazes bem em pôr bandeirolas de aviso,

no limite escuro que relumbra a noite.

Como pintor não queres que te abrande a forma

o algodão cambiante de uma nuvem imprevista.



O peixe no aquário e o pássaro na gaiola.

Não queres inventa-lo no mar ou no vento.

Estilizas ou copias depois de ter olhado

com honestas pupilas seus corpinhos ágeis.



Amas uma máteria definida e exata

onde o fungo não possa armar acampamento.

Amas a arquitetura que constrói no ausente

e admites a bandeira como uma simples pilhéira.



Diz o compasso de aço seu curto verso elástico.

Desconhecidas ilhas já a esfera.

Diz a linha reata seu vertical esforço

e os sábios cristais cantam suas geometrias.



***



Mas também a rosa do jardim onde vives.

Sempre a rosa, sempre, norte e sul de nós!

Tranquila e concentrada como uma estátua cega,

ignorante de esforços soterrados que causa.



Rosa pura que limpa de artifícios e esboços

e nos abre as asas tênues do sorriso.

(Mariposa pregada que medita seu vôo.)

Rosa do equilíbrio sem dores buscadas.

Sempre a rosa!



***



Oh! Salvador Dalí, de voz azeitonada!

Digo o que me dizem a tua pessoa e teus quadros.

Não te louvo o imperfeito pincel adolescente,

mas canto a firme direção das tuas flechas.



Canto teu belo esforço pelas luzes catalãs,

teu amor ao que tem explicação possível.

Canto teu coração astronômico e terno,

de baralha francesa e sem nenhuma ferida.



Canto a ânsia de estátua que seus personagens sem trégua,

o medo à emoção que te aguarda na rua.

Canto a sereiazinha do mar que te canta

montada na bicicleta de corais e conchas.



Mas antes de tudo canto um comum pensamento

que nos une nas horas escuras e douradas.

Não a Arte a luz que nos cega os olhos.

É primeiro o amor, a amizade e a esgrima.



É primeiro o quadro que paciente desenhas

o seio de Tereza, a de cútis insone,

o apertado cacho de Matilde, a ingrata,

nossa amizade pintada como um jogo de oca.



Sinais datilográficos de sangue sobre o ouro

risquem o coração da Catalunha eterna.

Estrelas como punhos sem falcão te relumbram,

enquanto tua pintura e tua vida florescem.



Não olhes a clepsidra com asas membranosas,

nem a dura gadanha das alegorias.

Veste e desnuda sempre o teu pincel no ar,

ante o mar povoado com barcos e marinheiros.

"Lembre-se de mim quando estiver na praia e quando pintar coisas brilhantes e de poucas cinzas. Oh, minhas poucas cinzas! Coloque meu nome no quadro a fim de que meu nome sirva para algo, no mundo"

Federico Garcia Lorca


Little Ashes (poucas cinzas)- o quadro - define como Dali via Federico Garcia Lorca quando conviveram em Madrid e quando viveram a descoberta um do outro, uma fusão surreal de um poeta genial com um ícone em seu despertar...

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